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Rio de Janeiro, RJ, Brazil
Carioca, Mengão, fã de mergulho, mtb, bungee, rock alternativo, cinema, ilhas remotas, mar, sol, chocolate, P2P e idéias revolucionárias. Já tentou surfar. Mar e board atrapalharam muito. Desistiu. Dogma não é com ele. Iconoclasta. Incansável oponente das Forças Estranhas que atrasam a vida de todos. Longa vida ao THE PIRATE BAY e tudo o que ele representa.

domingo, 28 de dezembro de 2008

Após um começo promissor, diretores podem dar certo (Danny Boyle) ou dar errado (Michael Cimino)...

A estréia de qualquer diretor de cinema traduz uma expectativa. E nem sempre essa expectativa se traduz no nascimento de mais um excelente artesão da 7a arte. Por exemplo: tem gente que consegue a proeza de realizar uma obra prima no seu primeiro trabalho - e nunca mais acerta. Por outro lado, existem diretores que estréiam com filmes excepcionais, demonstrando fescor e criatividade em todos os aspectos técnicos e artísticos - e continuam o bom trabalho daquele ponto em diante. Para ilustrar fracasso e sucesso de diretores considerados promissores em seus trabalhos de estréia, vamos destacar Michael Cimino e Danny Boyle.

Michael Cimino (foto acima) estreou em 1974 com uma comédia muito da xinfrin chamada THUNDERBOLT and LIGHTFOOT (nem queira saber do que se trata, please). Contudo, sua grande estréia mesmo, aquela que prometia o nascimento de uma estrela na direção, aconteceu em 1978 com um drama brilhante sobre a guerra do Vietnam chamado THE DEER HUNTER (http://www.imdb.com/title/tt0077416/combined).
O filme apresentou ao mundo Meryl Streep (todo mundo sabe quem é, né?), John Cazale (aquele irmão traidor que o Al Pacino matou no 2o filme da famosa trilogia THE GODFATHER), Christopher Walken (um ator topo de linha, facilmente encontrado em diversos filmes de qualidade) e John Savage (esse veio, viu e sumiu), entre muitos outros, e já incluia um Robert DeNiro em plena ascenção. Não é pouco não, hein. É aquele filme da brincadeira enervante da roleta russa, com mais de 3h de duração.

Abocanhou 5 Oscars naquele ano, além de inúmeros outros prêmios por festivais afora. Um sucesso.

Falando de um tema muito incômodo ao american way of life, a fotografia de Vilmos Zsigmond (egresso dos filmes de Bergman) e a pauta musical de Stanley Myers (inesquecível) empacotavam um grupo de excelente interpretações, guiadas por uma direção muito inspirada. O filme é realmente muito bom e, talvez, um dos mais marcantes sobre o tema guerras inúteis e seus efeitos na sociedade. A tal cena da roleta russa no campo de prisioneiros é antológica e permanece uma das mais bem filmadas e editadas na história do cinema mundial. Assim como as belas cenas de caça de alces nas montanhas verdes e enevoadas dos USA em contraste com as cenas chocantes de guerra (porcos comendo restos de humamos despedaçados por bombas).

Resultado: para a imprensa americana da época, um ser divino havia nascido. Teceram quilômetros de elogios ao novato, tocando trombetas pela chegada do "gênio". E a expectativa? Qual seria o próximo filme de Michael Cimino.

E esse filme veio em 1980. HEAVEN´S GATE (http://www.imdb.com/title/tt0080855/), título nefasto, arrasou com o studio que o produziu. A United Artists registrou sua ruína financeira com esta bomba. Imagine um filme chato. OK? Esse é bem mais. É um western longo (mas muuuuuuito longo) sobre uma disputa de terras no estado de Wyoming em 1890 que realmente ocorreu. Custou o equivalente a US$120 milhões em 2006 e fez o equivalente a US$ 3 milhões nos USA. Bomba. Baú sem alça - e cheio.

Bem, vamos colocar a coisa da seguinte forma: se o filme retratou bem o que historicamente ocorreu na época, os verdadeiros protagonistas do fato histórico devem ter morrido de tédio. Mas, faleceram, todos, muito elegantemente bem vestidos, inseridos em cenários milionários (a famosa cena do casamento dizem que custou uma fábula) e acompanhados de cast estrelar.

Embarcaram nesta canoa furada Kris Kristofferson (ex-marido de Barbra Straisand e notório canastrão de plantão), Christopher Walken (dispensa comentários), Isabelle Huppert (a francesa estava em ascenção nos USA na época), Jeff Bridges (o irmão mais talentoso de Beau), John Hurt (o primeiro Alien saiu de dentro do estômago dele, lembra?), Sam Waterston (da fama de THE KILLING FIELDS), Brad Dourif (participou do LORD OF THE RINGS recentemente e foi o bandido demoníaco de CHILD´S PLAY), Joseph Cotten (excelente ator de renome, já em fim de carreira), Mickey Rourke (desfigurado fisicamente hoje em dia e brilhando em THE WRESTLER no festival de Cannes deste ano) e Willem Dafoe (em seu primeiro filme).

Cimino esperou mais de 3 anos para dirigir seu próximo filme. THE DESPERATE HOURS (http://www.imdb.com/title/tt0099409/), um remake eficiente (!) de um clássico de 1955 sobre presidiários em fuga e familia modelo sequestrada, estrelou - advinhou - Mickey Rourke e Anthony Hopkins (ele mesmo, o canibal). Amargando mais 6 anos de absolutamente nada para dirigir, em 1996, apareceu com THE SUNCHASER (http://www.imdb.com/title/tt0117781/), uma coisa insuportável sobre um sequestro de tons edificantes e Woody Harrelson na frente. Em 2009, 12 anos depois, reza a lenda que Cimino irá lançar MAN´S FATE, sobre europeus na Shangai de 1923. Ok. Vamos desejar boa sorte ao homem. Afinal, sempre haverá esperança para quem um dia dirigiu THE DEER HUNTER.

Um antônimo de Michael Cimino chama-se Danny Boyle. Esculpido na TV britânica, Boyle é um diretor que arrisca. Sua estréia causou impacto. E impacto ele vem causando desde então. O excelente filme de suspense (?) SHALLOW GRAVE (obtenha mais informações no link http://www.imdb.com/title/tt0111149/), de 1995, deixou crítica e publico de boca aberta. A bem humorada, irônica história macabra de 3 amigos que, morando juntos num ap em Londres, resolvem alugar mais uma vaga a um sujeito que acaba aparecendo morto com uma mala cheia de dinheiro, revelou ao mundo um diretor antenado com o comportamento humano de seu tempo.

Com performances imbatíveis por um elenco afiado, até então desconhecido, incluindo um promissor ator de nome Ewan McGregor (fez vários filmes com Boyle), Danny Boyle narrou com estilo renovador e precisão cirúrgica uma saraivada de traições, equívocos e inesperadas reviravoltas entre os supostos amigos inseparáveis, submetendo a hipócrita sociedade do "o que importa é rapidamente se dar bem, não interessa o custo" a um exame microscópico sobre ética, amizade, lealde e autruismo nos tempos de hoje. E foi mazela para tudo o que é lado. A série de entrevistas dos pretendentes a tal vaga no apartamento vale por si só uma visita a este filme.

Na época, a imprensa não poupou elogios e anunciou o nascimento de um diretor promissor. E não é que Danny Boyle deu certo! São dele, entre outros, os filmes TRAINSPOTTING (Ewan McGregor as voltas com drogas pesadas, na cena antológica do mergulho na privada, numa Londres marginalizada), A LIFE LESS ORDINARY (Ewan McGregor as voltas com o sequestro hilário de Cameron Diaz), THE BEACH (DiCaprio perdido no paraíso), 28 DAYS LATER (zumbis mandando ver no fim do mundo em Londres), MILLIONS (sobre um guri inspirado que acha milhões de libras dias antes da virada para o euro) e SUNSHINE (curioso exercício de ficção científica sobre o Sol acabando com tudo).

A maioria (se não todos) dos filmes de Boyle se destaca pelos seus roteiros. A parceria com o escritor John Hodge começou no filme de estréia e durou até THE BEACH. São roteiros inovadores, cheios de comentários sociais sobre o nosso tempo e o comportamente pouco elogiável da humanidade que o povoa, onde cenas completamente silenciosas (e isso é muito comum nos filmes de Boyle) traduzem milhares de palavras em texto. A partir de THE BEACH, filme caro, com externas complicadas nas praias paradisíacas da Tailândia, e que não correspondeu aos seus altos custos na bilheteria, John Hodge seguiu caminhos diferentes de Boyle. Uma pena.

O mais recente filme de Boyle, SLUMDOG MILLIONAIRE (veja mais informações no link http://www.imdb.com/title/tt1010048/) , lançado este ano, não foge a regra (apesar de John Hodge não ter participado). Está sendo considerado pela crítica como o seu melhor trabalho até hoje. Contrariando toda a fórmula padrão de lógica de sucesso comercial, Boyle filmou uma história nas favelas da Índia, com (muitos) atores locais (e com vários atores fazendo o mesmo papel em épocas distintas), falando sobre um fato curioso da cultura pop da Índia e destilando comentários, durante 2h de projeção, sobre as condições sociais das várias Índias que existem dentro da Índia principal. Resumindo: tinha tudo para dar errado. Não deu não. Acertou em cheio.

O fato pop que rege a trama é o sucesso de Jamal, um adolescente de origens muito humildes, egresso das piores concentrações de pobreza da Índia, quando se torna finalista de um jogo televisivo de perguntas e respostas muito popular no país. Respondendo, de modo surpreendente e preconceituoso para todos, corretamente as respostas do apresentador, Jamal ganha uma fortuna. Contudo, seu interesse é na bela Latika, paixão desde os tempos de moleque. E por ela, Jamal coloca em jogo sua vida e seus milhões.

As respostas das perguntas do programa de TV formam a estrutura do roteio. É através destas respostas que a vida de Jamal será contada. A razão porque Jamal sabia de cada resposta é a chave mestra do filme. Um achado, usado de forma muito criativa, que prende a atenção.

SLUMDOG MILLIONAIRE é um hino ao destino, aos pré-destinados. Defende, com muito humor e emoção, a tese de que uma pessoa vencedora nasce - não é feita aos poucos - e pode vir de qualquer lugar. Não interessam os obstáculos a sua frente, as dificuldades de origem e as artimanhas de outros para impedir o seu sucesso em todos os aspectos da vida. Um indivíduo pré-destinado ao podium conquistará, eventualmente, este podium, pois seu destino já foi traçado.

E LEIA ANTES aqui, ou voce nunca vai ficar sabendo que Michael Cimino e Danny Boyle são antônimos. Enquanto Michael Cimino é " esquecido" pela obra prima THE DEER HUNTER, Danny Boyle continua a inovar desde SHALLOW GRAVE. E veja SLUMDOG MILLIONAIRE, muito provavelmente, um dos melhores filmes de 2008.

terça-feira, 23 de dezembro de 2008

E por falar em Ridley Scott, alguem viu THE DUELLISTS... é o 1o filme dele!

Antes de ALIEN e BLADE RUNNER, o diretor britânico Ridley Scott estreou em 1977, no badalado festival de Cannes daquele ano, com um filme que escreveu seu nome no mapa dos diretores de maior expectativa da época. E não foi pouco o que ele fez no seu debut.

Um drama de ação sobre senso de justiça e preservação da honra em tempos de imbecilidade extrema da raça humana, THE DUELLISTS (http://www.imdb.com/title/tt0075968/) é passado no início do século 17, na França, durante o período mais grandioso das guerras napoleônicas. Ganhou notoriedade e fama quando abocanhou o prêmio de Best First Work no festival de Cannes de 1977, revelando ao mundo um jovem diretor que iria escrever história anos depois. Veja o trailler em http://www.youtube.com/watch?v=g8nGgvepXCk .

Baseado num conto de Joseph Conrad chamado The Duel (diz ele, historicamente verdadeiro), que também participou do roteiro da versão para o cinema, a trama envolve muitos duelos de espada, cavalheiros insultados, honras ultrajadas e códigos de comportamento bastante questionáveis.

Dois oficiais do exécito de Napoleão, interpretados magistralmente pelo sempre excelente Harvey Keitel e o competente ator Keith Carradine (esse anda sumido, mas foi muito popular na década de 70), se acham aprisionados em um duelo particular sem fim, que atravessa o tempo por décadas, devido a um deles entender ter sido insultado pelo outro. Desafiado, Armand (Carradine) se vê obrigado a duelar com Gabriel (Keitel) até que um deles caia morto e vencido.

Contudo, por alguma estranha razão, todo duelo que começa (e são muitos) nunca termina. Há sempre algo para atrapalhar o desfecho de cada embate, postergando o acerto de contas para uma outra oportunidade. Sempre que Gabriel encontra uma chance, e o destino trama para que as chances sejam muitas, recomeça a batalha pessoal entre os dois, transformando o que era um rápido e simples acerto de contas numa obsseção desenfreada interminável e, a partir de dado momento, sem qualquer propósito. Armand, mais consciente do ridículo da situação, vê sua vida inteira ameaçada pela insanidade de Gabriel, passando a evitar, sem muito sucesso, o início de mais um confronto atodo instante. A partir de certo momento, ambos não sabem mais porque estão duelando, mas continuam assim mesmo.


O filme é irrepreensível em todos os aspectos. O roteiro é ágil, dinâmico e impulsiona um duelo para o outro naturalmente, criando um clima de ação, sem quaisquer recursos de efeitos especiais, de fazer inveja aos filmes atuais do gênero. Existem inúmeros duelos no filme - e nenhum deles é entediante ou parece ser a mais nas quase 2h de projeção. Cada duelo parece ser algo novo, revelador de alguma faceta da trama ou característica de algum personagem que servirá para compôr o vingativo mosaico de sentimentos que encobre as atitudes dos dois oficiais. A excelente montagem, a cargo de Pamela Power, é a chave do entrelaçar fluido de todas as cenas e situações.

A narração em off não parece deslocada aqui. Tem gente que discorda e insiste ter sido feito dos produtores (visto que isso ocorreu em BLADE RUNNER anos depois). Mas, o filme é um conto - e um conto muito bem contado de um aparente evento histórico que realmente aconteceu. E assim é colocado para a platéia. Acredito que, no caso, a não muito unânime narração em off (a cargo da voz do ator Stacey Keach) empresta maior veracidade ao que realmente ocorreu - se é que tudo não passou de uma lenda urbana da época.

A pauta musical é original e antológica. Não dá para pensar neste filme sem a música que o embala. Howard Blake conseguiu uma união perfeita entre música e ação, raramente vista no cinema (lembra THE GO-BETWEEN de Joseph Losey). A fotografia de Frank Tidy, casada em comunhão de bens com a Direção de Arte de Bryan Graves e os figurinos de Tom Rand, faz de todos as cenas, externas ou internas, verdadeiras pinturas da época. Faz lembrar BARRY LYNDON, de Stanley Kubrick. O contraste da filmagem a luz da manhã (a chamada golden hour) com o verde forte das paisagens e o vermelho, azul, cinza e dourado dos uniformes dos oficiais cria cenas de tirar o fôlego para uma produção de menos de US$ 1 milhão (bons tempos...).

O elenco é fenomenal. Além de Keitel e Carradine, temos um jovem Albert Finney, o excelente Edward Fox, a bela Cristina Rainnes (por onde será que anda essa senhora?), Tom Conti (da fama oscarizada de Rubeun, Rubeun), e muitos outros atores britânicos em destaque na época. Foi um festival de excelentes interpretações e é a força motriz do filme.

A direção do novato Ridley Scott já exibe aqui sinais de suas caracterísitcas pessoais, as quais iriam ser aprimoradas, com o decorrer do tempo, em seus trabalhos futuros: a preocupação acentuada com a técnica; o detalhismo com a estética da imagem, presente em todos os seus filmes sem exceção; a fotografia em união inseparável com a música; o clima de ação em cenas cujo conteúdo não se empresta a tal dinâmica (quantas formas existem de filmar um duelo de espada e manter a coisa toda nova e excitante a cada cena?) e uma narrativa cênica que mantém o espectador advinhando o final - e que final!

É um debut para ninguem botar defeito. Uma pequena grande obra. E não é que o homem deu certo mesmo? Os filmes de Ridcley Scott incluem, além dos aqui mencionados ALIEN e BLADE RUNNER, o Oscarizado THE GLADIATIOR (Russel Crowe de saias se vingando de Joaquim Phoenix); a inesquecível parceria de Susan Sarandon & Geena Davis em THELMA & LOUISE (Harvey Keitel está nesse e Brad Pitt estreou no cinema justamente aqui); BLACK RAIN (para muitos, um hino de ódio ao Japão, com Micheal Douglas); THE KINGDOM OF HEAVEN (um longo, hiper bem produzido, mas nem sempre interessante passeio na história com Orlando Bloom); e, recentemente, AMERICAN GANGSTER (com Denzel Washington e Russel Crowe) e BODY OF LIES, com Leonardo Di Capprio, em cartaz atualmente no Brasil. Uau! Cannes tinha razão... (ele fez umas bombas também, mas eu não vou falar...ah, depois eu conto...).

E LEIA ANTES aqui, ou voce não vai ficar sabendo que o 1o filme do diretor de ALIEN, BLADE RUNNER, THELMA & LOUISE e THE GLADIATOR, Sr. Ridley Scott, foi uma obra prima e levou prêmio em Cannes de 1977. Não caia na cilada de não assistir THE DUELLISTS. É um filmaço tanto pela abordagem do tema de quão tolo e imbecil o homem chega ao se aprisionar a crenças e credos impostos pela sociedade em que está inserido, quanto pelos aspectos técnicos (fotografia, direção de arte, montagem, etc.) e artísticos (roteiro, interpretações, etc.). Não perca. Há essa altura, THE DUELLISTS está paradão, paradão na prateleira da sua locadora... Pera ae!!! Eu disse "locadora"??? Tsk... tô mal...

sexta-feira, 19 de dezembro de 2008

BLADE RUNNER foi um sleeper... Sleeper???

Existem filmes que conseguem sucesso, fama e glória somente com o passar do tempo. São lançados ao publico, solenemente ignorados e rejeitados, para resurgirem do nada, pouco a pouco, e serem devidamente reconhecidos, por crítica e publico, como obras que firmaram novo território, quebraram barreiras, lançaram inovações e definiram um caminho na arte cinematográfica que muitos irão seguir no futuro.

São filmes que nascem, muito provavelmente, da insistência e perseverância de artistas natos, com base em crenças muito particulares, e tomam forma através de inúmeras tentativas de convencimento junto a alguma força estranha (mas até aqui?!?). Vistos por poucos na época do seu lançamento, costumam amargar fracassos financeiros de imediato, para, anos ou décadas depois, reaparecerem e serem glorificados e cultuados como exemplos definitivos de um modo de fazer cinema.

Esses filmes são chamados de SLEEPERS. E BLADE RUNNER nasceu um Sleeper.

BLADE RUNNER, de 1982, foi dirigido pelo então já conhecido Ridley Scott. Scott havia dirigido anos antes o assustador e inovador ALIEN, de 1979, onde uma desconhecida Sigourney Weaver, de calcinhas e armada até os dentes, caçava um tinhoso do capeta, em pleno espaço sideral. ALIEN foi um grande sucesso de bilheteria. Já BLADE RUNNER (http://www.imdb.com/title/tt0083658/) foi um estrondoso fracasso na época do seu lançamento .

Poucos viram. No primeiro fim de semana em exibição, passando em mais de 1.290 salas de cinema nos USA, o filme arrecadou um pouco mais de US$6 milhões. Orçado oficialmente em US$28 milhões, o filme foi retirado de cartaz quando se pagou - e isso foi de junho a setembro de 1982. É um Sleeper clássico. O trailer da versão original de 1982 pode ser apreciado em http://www.youtube.com/watch?v=4lW0F1sccqk. Vale também uma visita ao site oficial de BLADE RUNNER na Internet: http://bladerunnerthemovie.warnerbros.com/ .

Para aqueles que estavam morando fora do sistema solar nos ultimos 30 anos (ou em coma profunda), e retornaram a Terra recentemente, BLADE RUNNER é aquele onde Harisson Ford interpretava um detetive depressivo (papel cogitado para Dustin Hoffman) que caçava andróides revoltados com o prazo de validade de suas vidas. O filme jogou à fama Sean Young, Daryl Hannah e Rutger Hauer, este ultimo fazendo sombra ao astro Ford. Para os mais antenados, o filme ainda contou com Joanna Cassidy (a da cobra), Edward James Olmos (sempre praticando origami) e M. Emmet Walsh (chefão da polícia que convoca Ford), todos excelente atores.

Em 1982, as platéias do mundo já haviam se entregado aos encantos infanto-juvenis de STAR WARS, de George Lucas, exibido em 1979. Além disso, E.T. (não é possivel que não conheçam E.T.), de Steven Spielberg; THE THING, uma competente refilmagem de Jonh Carpenter; RAMBO (Silvester Stallone e sua franquia de violência gratuita e patriótica) e POLTERGEIST (Tobe Hooper e sustos) foram também lançados no mesmo ano. E algum "gênio" de marketing achou uma excelente idéia lançar BLADE RUNNER contra esses pesos pesados, numa época onde o clima em relação a cinema era diversão sem compromisso, som nas alturas, correria e efeitos especiais. Erro fatal.

BLADE RUNNER, baseado num conto de Phillip K. Dick chamado "Do Androids Dream of Electronic Sheeps", veio na contra-mão. Sua trama era filosófica, falava sobre o futuro da existência humana e o significado da vida, onde andróides (máquinas) valorizavam muito mais suas vidas do que os humanos (o criador) valorizam as suas próprias. Ninguem em 1982 estava muito afim de ir ao cinema para debater essas questões.

Cheio de diálogos existencialistas e composto de cenas emblemáticas, lentas e longas, onde até uma narração em off foi adicionada as pressas para que as idiotizadas platéias americanas compreendessem o que estava acontecendo, o filme foi percebido como "dificil" na época. A trilha sonora, hoje famosa e cultuada, ficou a cargo de Vangelis e sua notória melancolia depressiva (lembra aquela do solo de sax? dá vontade de cortar os pulsos). E, como se isso não fosse o suficiente, a fotografia (a cargo de Jordan Cronenweth) de Los Angeles em 2019 era escura, imunda, molhada, asfixiante, super-povoada (106 milhões de habitantes) e completamente desprovida de qualquer natureza. Nem as enormes naves espaciais, iluminadas e brilhantes, cruzando esse cenário, conseguiram injetar alguma luz nessa solidão de massa. A união do caos urbano com as traquinálias futurísticas acabaram por montar um espécie de web site sob doses excessivsas de alucinógenos - algo muito de vanguarda para 1982 (sim, houve um tempo que Internet e celular não existiam...).


A direção de Ridley Scott, considerada um ícone de referência no gênero hoje em dia, empacotou isso tudo em enredo de filme noir clássico: detetive, a contra gosto, investiga cenas diversas, interroga personagens suspeitos, é perseguido, apanha, mata alguem, se apaixona pela belle fatale e, no final, descobre algo sobre si mesmo. Não há nada de novo nessa composição. A grande contribuição de Scott foi o modo como misturou isso tudo numa argamassa consistente e visualmente estranha e atraente. Scott projetou um estilo visonário de contar uma estória ao desenhar um futuro catastrófico que veio a se confirmar mais tarde. Até hoje, BLADE RUNNER empresta seu visual punk cibernético e seu clima soturno ao gênero ficção-científica. Seu estilo visual e sonoro é copiado incansavelmente desde 1982.

Problemas foram vários em 1982. Após um screening do filme nos USA (Denver e Dallas) e na Europa (Londres), sob uma reação fria da platéia, forças estranhas (uau!) entraram em ação e remontaram o corte originalmente idealizado pelo diretor. Temendo fracassar na bilheteria, os produtores cortaram algumas cenas, introduziram a narração em off de Ford e adicionaram o final esverdejante em que Ford e Young fogem por uma porta e saem do outro lado dentro de um carro, dirigindo pelos campos verdes e ensolarados da esperança de um futuro melhor. Meu Deus! Seja lá a droga que estavam usando, deve ter sido da boa e da cara.

Uma derrapada feia dessa remontagem guiada por interesses mercadológicos é que os produtores não concordavam que Deckard seria um replicante e não sabberia - que era um dos grandes trunfos da trama. Ao re-editarem o filme, as forças estranhas estruparam essa idéia do filme e a coisa toda ficou meio sem pé, sem cabeça. Afinal, qual era a dúvida existencialista de Deckard se ele não era um andróide? O desfecho da versão de 1982 é considerado um dos maiores equívocos da história do cinema.

Existiu também o atrito entre Ford e Hauer. O herói e protagonista era Rick Deckard, o detetive de Harrison Ford (galã popular e canastrão egresso do sucesso de STAR WARS). A principio, o vilão era Roy Batty, o andróide líder interpretado por Rutger Hauer (um desconhecido). Advinha? Com o decorrer da história, o espectador começou a se identificar com Batty e acabou por torcer por ele e sua turma no final.

São de Rutger Hauer as melhores falas do filme e, quando aparece em cena, é muito mais ator que Ford. Reza a lenda que Ford exigiu de Scott mais cenas e mais falas para o seu personagem - e menos para Roy Batty. Mas, como Scott já confessou, a chave do enigma estava mesmo com o outro personagem. Seja lá o que houve, é do replicante Batty a mais memóravel fala e cena do filme, conhecida como TEARS in the RAIN. E, por incrível que pareça, a cena foi uma idéia original de Hauer, momentos antes da filmagem, e completamente feita de improviso. Eis a cena: http://www.youtube.com/watch?v=EG2h1VzPN7Y . Viu? Dá para acreditar que isso tudo foi improvisado? Foi.

Definitivamente, BLADE RUNNER estava a frente de seu tempo. Sua proposta vanguardista convidava o publico errado, em hora inapropriada, para a discussão certa. Não funcionou mesmo. Apesar do debate proposto ser válido, seu publico ainda não existia e a hora certamente não era 1982.

Em 1992, 10 anos depois do fracasso nas bilheterias, BLADE RUNNER The Director´s Cut foi lançado no cinema (veja o trailer em http://www.youtube.com/watch?v=tTheI06iCHA&feature=related ). A montagem originalmente idealizada por Scott foi resgatada por produtores que queriam capitalizar lucros diante da fama obtida pelo filme durante esses anos todos. Lançada as pressas, sem a participação direta de Scott na montagem, mas contando com a sua aprovação, a nova versão de BLADE RUNNER for reexibida comercialmente em grande estilo. Após 10 anos de existência, o filme havia conseguido emparelhar com o tempo - ou vice versa. O debate proposto pelo seu roteiro já era de interesse geral do publico de cinema.

O ano de 1992 foi marcado pelo lançamento de filmes como: THE CRYING GAME (aquele da surpresa do travesti); BASIC INSTINCT (Sharon Stone cruzando as pernas de modo inesquecível) ; DRACULA (versão estilizada do Coppola); UNFORGIVEN (um western de Clint Eastwood bem instrospectivo) e RESERVOIR DOGS (apresentando ao mundo o então desconhecido Quentin Tarantino). Todos, em diferentes intensidades, filmes considerados transgressores e incentivadores de debates acalorados sobre assuntos pesados. BLADE RUNNER The Director´s Cut pegou carona no clima de 1992 e emplacou de vez.

Nesta montagem, a narração em off, voltada para pessoas que não primam pela sutileza de um raciocínio elementar, foi eliminada - e não fez falta. Cenas adicionais foram inseridas para que o publico chegasse a conclusão que Deckard, o detetive que perseguia e matava os andróides, era, ele mesmo, um andróide. Os unicornios de origami fizeram sentido quando uma cena do sonho de Deckard com unicornios foi inserida. Outro corte fundamental foi a eliminação do final ridículo onde Deckard e Rachel (o personagem da bela Sean Young) passam por uma porta e caem, motorizados, em pastos verdes e ensolarados, ao som de Vangelis. E, desta vez, o final do filme ocorre na porta mesmo.

Enfim, BLADE RUNNER renasceu em 1992 e foi elevado a categoria de um dos maiores filmes de ficção científica da história do cinema. Essa montagem resgatou a idéia original do roteiro - um debate metafísico sobre o significado da vida - no momento em que platéias estavam antenadas neste tipo de discussão.

Mas, quando algo é pré-destinado para ser perfeito, só descansa quando perfeito se transforma.

Em 2007, para comemorar 25 anos de perseverância e persistência, da vitória da arte sobre a lógica mercadológica de forças estranhas (olha elas ae...), BLADE RUNNER ganhou um lançamento de luxo: BLADE RUNNER The Final Cut (trailer em http://www.youtube.com/watch?v=J_hYs1jBy8Y ). Esta é a montagem em que Ridley Scott trabalhou pessoalmente e obteve controle artístico total sobre o produto final, colocando em prática tudo aquilo que gostaria de ter feito 25 anos atrás.


As alterações aqui foram tanto tecnológicas (25 anos trouxeram muitos avanços na área técnica) quanto artísticas. A cor do filme é mais esverdeada do que a cor dos anteriores, passando uma impressão de lodo. Algumas cenas foram reduzidas no tempo, outras foram prolongadas para dar maior agilidade à narrativa. Os efeitos especiais originais foram aprimorados. Algumas falas foram corrigidas para manter a coerência com acontecimentos durante o desenrolar da trama. Algumas falas foram acrescentadas, outras eliminadas. As cenas de violência cortadas na versão americana (e mantidas na versão para outros continentes) foram reinseridas nesta montagem. A narração em off continuou eliminada (graças a Deus!).

O sonho de Deckard com o unicornio foi ampliado e é mais detalhista e revelador do grande mistério da trama toda. Quando Batty solta o pombo na famosa cena TEARS in the RAIN, o pombo voa para um céu escuro, quase negro - era azul esperança (?) nas versões anteriores. O final foi mantido na porta mesmo (ufa!), sem os campos verdes, primaveris ao som de Vangelis. Enfim, o filme ganhou agilidade, coerência de narrativa e um clima mais dark ainda, bem punk, completamente sombrio e enigmático - tudo a ver com os dias de hoje.

E se tornou uma eterna obra prima, um culto regido por uma enorme legião de fans no mundo inteiro, ganhando a imortalidade das grandes obras artítsticas.

E LEIA ANTES aqui, ou voce jamais saberá que BLADE RUNNER, um sleeper na época de seu lançamento e um clássico icônico hoje em dia, tem 3 versões diferentes a serem degustadas, e cairá na cilada de somente ver a 1a versão - a pior! A mais recente, que conta com a participação direta do diretor na montagem, é BLADE RUNNER The Final Cut, lançada em 2007, 25 anos depois de forças estranhas (como persistem essas forças...) estragarem uma obra que nasceu para ser prima... temo que, qualquer dia desses, as forças estranhas estarão anunciando um remake...argh...humpf...perdi o humor, deprimi...bye.

segunda-feira, 15 de dezembro de 2008

Voce curte filme Portugues? É. Da terrinha... Não? É porque nunca ouviu falar de CALL GIRL...

Filme portugues que não seja de Manoel Oliveira é dificil de aparecer por aqui. Falou em cinema portugues, lá vem Manoel Oliveira na conversa. Bem, o homem fez 100 anos outro dia e, cá entre nós, ou concordamos que o cinema portugues está para morrer, ou arrumamos outros diretores do cinema luso para fazer parte de nossas conversas.

Quando voce pensou que a 1a opção iria vencer, surge algo na tela que simplesmente te arrebata, surpreende e encanta, fazendo com que a 2a opção seja a vencedora. O thriller político CALL GIRL, de 2007, dirigido por Antonio Pedro Vasconcelos, vindo de Portugal, foi um algo desses. O trailler pode ser visto no link http://www.youtube.com/watch?v=7G3erpUu6S8 .

Não saberia destacar o que é melhor em CALL GIRL. O elenco é tão bom que nos faz pensar porque raios não se faz mais cinema de qualidade em Portugal. A direção é algo de fazer orgulho a Alffed Hitchcock e Brian de Palma - sim, é um thriller dramático cheio de erotismo. Fotografia de primeira. A música embala a trama como se fizesse um bebe ninar. E que trama! O roteiro é daqueles que faz voce grudar a retina na tela do principio ao fim, esquecendo, inclusive, aquela tradicional vontade de ir ao banheiro no meio da fita. Se tivesse de destacar algo seria o mérito de quem quer que seja em reunir isso tudo e realizar uma das mais instigantes obras do cinema em anos.

A trama, bastante atual, envolve um ardil político de poder, dinheiro e corrupção, que move a ganância de um empresário (o sempre competente Joaquim de Almeida), a tara de um detetive não correspondido na sua paixão arrasadora (o excelente Ivo Canelas), a patética vida de (mal) casado de um político de meia idade (Nicolau Breyner, incomparável) e os poderes de sedução de uma prostituta de luxo simplesmente estonteante (a cargo da beleza fatal de Soraia Chaves). Esses ingredientes todos são jogados num rodamoinho de suspense, artimanhas, reviravoltas, traição, ambição, sexo, pornografia e violência. A mistura surpreende.


Em primeiro lugar, a beleza sedutora da atriz Soraia Chavez define o tom do filme. Ardilosa e cheia de tramóias, Maria, a prostituta, vai causar uma vontade enorme de transar em qualquer um que esteja vivo. A mulher é gostosa mesmo e pronto. É gostosa quando anda, É gostosa quando fala. É gostosa quando simplesmente empresta seu rosto ao diálogo dos outros atores.
Quando seduz o político Carlos Meirelles perguntando se alguma mulher já tinha se masturbado só para ele, o que acontece depois é ver para crer. Só adianto que o ator Nicolau Breyner, cuja reação a pergunta é antológica, deve ter tido problemas sérios em evitar uma ereção. Quando o político pergunta à Maria o que faz na vida, ela responde um "Tudo" tão malicioso que nada fica faltando na sua curta resposta. "Olha como fico toda molhada..." é uma fala de Maria que o espectador vai sentir a umidade.

As cenas de sexo entre o detetive que deseja desesperadamente a prostituta e essa que o despreza e o quer a todo instante são quentes... muito quentes. Estou falando de pegar fogo no filme, no cinema e na cidade onde está localizado o cinema. É coisa para se assistir com um extintor ao lado ou, pelo menos, uma licença do Corpo de Bombeiros.
A direção de Antonio Pedro Vasconcelos, já tarimbado, faz lembrar o melhor de Hitchcock (Vertigo, por exemplo). Mas, mesmo assim, mantém um que de originalidade uma vez que a excelência da trama possibilita inúmeras situações cênicas a serem exploradas. Suas cenas de perseguição são tão alinhadas com a dinâmica dos diálogos que quando apenas dois atores estão somente dialogando na tela, em close, a impressão que se tem é que está ocorrendo uma perseguição. É um dos trunfos do filme e responsável por manter os espectadores advinhando o final até o seu derradeiro fim.

E que final. Bem, no final acontece o seguinte: a prostituta... não, né? O final voce descobre quando assistir a CALL GIRL.


O filme arrebatou alguns prêmios em Portugal. Também foi exibido na Mostra de Cinema do Rio e São Paulo em 2008 (acho que foi 2008). A crítica brasilieira curtiu o filme, pois me recordo de resenhas bastante positivas nos jornais do Rio e São Paulo. Não me lembro se as forças estranhas impediram o filme de ser exibido comercialmente no Brasil. De qualquer forma, foi lançado em DVD e em P2P (sim, P2P... leia os posts abaixo). Não tenho noticias de produtoras americanas envolvidas em remakes (ufa!) - esses caras estão muito voltados para o mercado asiático hoje em dia.

E LEIA ANTES aqui, ou voce vai ver o filme portugues CALL GIRL em cartaz e pensar que foi dirigido pelo Manoel Oliveira... Não acho que alguem que completou 100 anos de idade sobreviveria depois de dirigir Soraia Chavez, especialmente, como veio ao mundo, libidinosa que só ela, e em intensa interelação carnal com Ivo Canelas... Ah sim, boa transa...

Uma pausa para falarmos em detalhe do show de estréia de Madonna no Rio...

MADONNA in RIO
SENSACIONAL!
E LEIA ANTES aqui, ou voce nunca vai saber que o espetáculo de abertura da tour de Madonna no Brasil, ocorrido no dia 14/12, no Maracanã, Rio de Janeiro, com mais de 70 mil espectadores, foi imperdível... corra e compre o seu ingresso para São Paulo! caso voce não curta a música, tape os ouvidos e veja o maior display tecnológico"multimídico" do século!

domingo, 7 de dezembro de 2008

THE CHASER é uma obra ímpar do cinema koreano...

Lembram do SILENT OF THE LAMBS? Aquele do canibal gastronômico. Vira historinha pro nenê dormir perto de THE CHASER (Chugyeogja), filme estreante do diretor koreano Na Hong-Jin, de 2008 (o trailler pode ser visto no link http://www.youtube.com/watch?v=0obDVN36HDU). Trata-se de evidência incontestável do avanço dramático e tecnológico do cinema Koreano (ou Asiático em geral). É de uma competência na arte da cinematografia poucas vezes vista no cinema mundial. E, é claro, também não chegou as telas brasileiras. Anham...as forças estranhas de novo... fazer o que, né?

A bem tecida trama envolve um ex-policial corrupto (Kim Yoon-suk, excelente), hoje trabalhando como cafetão mal sucedido, tomado por dívidas financeiras impagáveis. Para piorar a situação, seu cast de prostitutas está desaparecendo gradualmente, e, pior ainda, sem pagar a devida taxa de proteção. Ao investigar o sumiço das suas "funcionárias", certa noite conclui que a única pista existente é que as garotas desaparecidas foram requisitadas sempre pelo mesmo cliente (Ha Jung-woo, magistral), quem , por acaso, acaba de solicitar um encontro naquela noite com uma de suas prostitutas prediletas (Seo Yeong-hee, perfeita). Mas não é que o tal cliente é um serial-killer, já com 12 mortos a seu favor! Se o herói é um cafetão e a vítima uma prostituta, voces imaginam o vilão...

THE CHASER, sucesso de público em Cannes e na Korea, pode ser categorizado como um filme de suspense com serial-killer. Daqueles que um maluco qualquer mata um bando de gente porque matar é bom. Mas, é muito mais que isso. É ao mesmo tempo dramático, engraçado, aterrorizante e sentimental, ainda sobrando espaço para mostrar uma Korea moderna imersa na loucura de uma globalização ocidentalizada. A dramatização da Polícia Koreana, que "ajuda" o seu ex-funcionário por acaso, é um prazer a parte. E, sim, temos sangue sobrando em certas cenas de alto teor violento.

É dificil não torcer pelo cafetão apesar da sua linha de ofício. Muito mais dificil não querer entrar na tela e acabar com o vilão. Vontade não faltou de avisar às vítimas, em voz alta, que o assassino estava a espreita para dar o bote e tirar suas vidas de forma grotesca. A pré-anunciada morte de um casal de vizinhos xeretas é construída de forma assustadora. É um enredo que convida o espectador a participar com a emoção. Não existe aqui um: quem será o assassino. Isso é deixado claro desde o início. Suspense, como dizia o mestre Hitchcock, é muito mais do que advinhar quem matou todo mundo e só saber ao fim da fita. E nesta lição navega com grande maestria THE CHASER.


Acho que diretores americanos se morderam de inveja quando viram esse filme. Hollywood deve ter ido ao psiquiatra. Em termos técnicos, os movimentos de câmera de Hong-jin são simplesmente o sonho de todo Brian de Palma que se preza. Tem momentos que voce se sente subindo escadas com o protagonista, brigando com o insuportável assassino, beijando a bela prostituta, sendo torturado, querendo olhar atrás da porta, abrir o armário, fechar a janela, e por ae vai.

A cinematografia enaltece muito o suspense e empresta a cada cena uma plasticidade que insere mais mistério e mais surpresas no desenrolar das investigações do cafetão. A cadência é uma taquicardia crescente. Se Hollywood acha que é a meca produtora de filmes de ação, está completamente enganada. THE CHASER tem mais ação (e inteligência) do qualquer filme do gênero feito ao sul da California.


Com um roteiro bem amarrado, cheio de reviravoltas inesperadas, contado numa cadência ofegante, e um final de tirar o fôlego, THE CHASER atesta por definitivo que o cinema asiático atual, em especial o Koreano, deu um salto quântico em qualidade. Se cuida Hollywood...

Toquem as trombetas: Tenho noticia quente que os direitos para uma refilmagem já foram adquiridos pela Warner. Leonardo Dicaprio está cotado para estrelar na produção americana. Já vimos isto antes em relação ao premiado asiático INFERNAL AFFAIRS (2002). Martin Scorsese refilmou como o nome de THE DEPARTED, em 2006, e se deu muito bem no Oscar. Voce lembra, né? Aquele com o Jack Nicholson e o próprio Leonardo. Bem, só tenho a dizer o seguinte sobre refilmagens: Deus nos proteja...

Enquanto os USA copiam, nosso diretor Na Hong-jin está criando THE MURDERER para 2009. Os bem informados me contaram que a trama gira em torno de um homem comum que se vê obrigado a se tornar um assassino para não passar fome. Uau! Lá vem Korea globalizada por ae...

E LEIA ANTES aqui, ou voce vai pensar que um filme americano, que vai ser lançado muito em breve pela Warner, é original. E não é... é cópia do maravilhoso THE CHASER. Aposto que o tal ramake vai encontrar direitinho o caminho para as telas brasileiras... as tais forças estranhas, meu irmão, são poderosas...

Desafio a falar de um filme bom e completamente desconhecido...OK, eis MAN PUSH CART...

Dirigido e escrito, em 2005, pelo desconhecido Ramin Bahrani (nascido nos USA, mas de origem Iraniana), o drama MAN PUSH CART é uma obra incontestável. Foi selecionada e premiada em diversos festivais independentes de cinema, incluindo o não tão independente assim Festival de Sundance de 2006. Sucesso de crítica e de publico por onde passou. Ainda assim, jamais conseguiu espaço para ser exibido no Brasil. São as forças estranhas agindo de novo. O trailler pode ser saboreado no Ytibe no link http://www.youtube.com/watch?v=kYGZwU11TV4.

O filme retrata com crueza um dia na vida do Pakistanês Ahmad, magistralmente interpretado pelo desconhecido ator Ahmad Razvi (premiado em diversos festivais), quem, aparentemente, foi um astro popular em seu país de origem, sobrevivendo, aos trancos e barrancos, em Nova Iorque como um vendedor ambulante de café e donuts. Donuts são aqueles sonhos de padaria, em versões variadas, repleto de calorias e carbohidratos, que os americanos tranformaram em um vício matinal obrigatório (quem não ouviu falar de Dunkin Donuts? não? joga no google!) e uma senhora máquina de fazer dinheiro.

Ahmad acorda todos os dias de madrugada e puxa, a pé e sempre sozinho, feito um burro sem rabo, uma pesada carrocinha de vendas, dessas que parecem mini-casas (tipo vendedor de cachorro quente podrão aqui no Brasil), pelas áridas, frias e impessoais ruas de Manhattan. Estaciona sempre no mesmo canto, prepara o café sempre do mesmo jeito, aquece o que tem de ser aquecido sempre pelo mesmo procedimento, e espera os demais habitantes da cidade pedir suas porções de café e seus donuts.

Nessa rotina depressiva, Ahmad desfila, com uma autenticidade impressionante, todo o seu estado letárgico de solidão na cidade mais tumultuada do mundo. Poucas vezes no cinema, um filme conseguiu tanto realismo para falar de um assunto tão triste. A solidão de Ahmad é esmagadora. E o contraste com a cidade em si, com sua supostamente movimentada vida passada e os diversos personagens que encontra pela frente, ressalta ainda mais a tristeza da sua sobrevivência atual. Ou seja, Ahmad fugiu de um deserto e se meteu em outro.

Nem o novo amigo (Charles Sandoval), que o reconhece do seu passado de fama e lhe oferece uma oportunidade um tanto quanto questionável, nem a mulher (Leticia Dolera) por quem começa a nutrir um sentimento que ele mesmo custa a crer ser amor, conseguem resgatar Ahmad do seu auto-imposto buraco sem saída. Absolutamente tudo parece não convergir para uma saída feliz para a sua desistência de lutar por uma vida melhor. Seu comporatmento, ao mesmo tempo conformista e revoltado, aparenta alguem completamente derrotado e sem esperanças.

Isso tudo pode parecer extremamente deprimente. E é. O filme é um drama pesado, com certeza, mas longe de ser entediante. Mas, a forma de filmar de Razvi e as atuações do elenco garantem a atenção do espectador do principio ao fim. Independente do clima de desesperança que emoldura a história, sempre fica a impressão que Ahmad encontrará o caminho para sua volta ao mundo dos vivos. É ver para crer. Ao final, o filme fica na memória com uma música marcante. Confira.

E LEIA ANTES aqui, ou voce nunca vai saber de MAN PUSH CART, uma pequena obra prima que nunca chegou e nem vai chegar (estou dando uma de vidente aqui) as telas nacionais... são as tais forças estranhas! Ah sim, voce talvez saia do filme precisando de uma sessão extra de psicoterapia... Não se incomode com isso, pois os planos de saúde e o SUS já aceitam esse tipo de consulta...